Ainda não tive oportunidade de as ver, mas hoje à tarde, no café aqui do burgo, as novas placas toponímicas era o assunto que, invariavelmente, dominava as conversas. Pelo que ouvi, o motivo da acesa polémica residia na denominação correcta aqui do burgo. No fundo, para mim, tudo não passa de um equívoco toponímico. A saber.
“São Miguel de Gonça é uma importante comunidade do concelho de Guimarães cujas referências históricas remontam às Inquirições de 1220, feitas pelo monarca Dom Afonso II, sob a designação de “parrochia Sancti Michaelis de Gunza”. Também nas Inquirições de 1258, ordenadas por Dom Afonso III, São Miguel de Gonça aparece referenciado como “ecclesie Sancti Michaelis de Gonza de Astrulfi”.”
Este é o parágrafo inicial da página História do sitio de divulgação pessoal “São Miguel de Gonça. Divulgação Histórica, Cultural e do Património Natural“. Aí podemos ler que o território que hoje se designa por Gonça era então referenciado como “parrochia Sancti Michaelis de Gunza” ou “ecclesie Sancti Michaelis de Gonza de Astrulfi”. Não podemos simplesmente ignorar que se tratam de documentos de carácter eclesiástico.
Para os mais distraídos, é provável que se possa confundir dois conceitos distintos: Paróquia e Freguesia. Se o termo paróquia significa uma divisão eclesiástica e define uma comunidade subordinada eclesiasticamente a um pároco, o termo freguesia remete-nos para uma subdivisão administrativa e política do território. Geralmente, os limites territoriais de uma paróquia correspondem aos limites territoriais e de uma freguesia, mas são muitos os exemplos contrários.
A confusão poderia fazer sentido até 1911, quando a Igreja Católica detinha privilégios sociais e culturais no contexto de religião oficial do reino. No entanto, após a implantação da República, e com a lei da separação do Estado e da Igreja, a Igreja Católica perdeu esse estatuto de agente do Estado. Até então, os clérigos eram uma espécie de “agentes estatais” com responsabilidades a nível da inquirição da população, desde o rol de confessados, os assentos de nascimento, de matrimónio e de óbito.
Hoje, ao dizermos que a paróquia corresponde à freguesia estamos a dizer que todos os habitantes daquela comunidade são católicos praticantes e assumidos, logo paroquianos. Mas a realidade é totalmente diferente. A liberdade de religião e de culto assegura que nenhum cidadão seja discriminado pelo seu credo. Ao dizer que uma freguesia é uma paróquia estamos a violar esse principio, pois estamos a excluir todos os cidadão não-católicos, ou seja, todos os não-paroquianos. O caso da visita pascal é o melhor exemplo dessa evolução história dos hábitos religiosos das comunidades.
De resto, em todos os símbolos oficiais da freguesia, o selo e o brasão (Diário da Républica, Nº 173, Série III de 2000-07-28, p. 16166), os únicos com valor administrativo efectivo, a freguesia aparece referenciada como “Freguesia de Gonça” e não “Freguesia de São Miguel de Gonça”. Em contrapartida, nos documentos do âmbito eclesiástico, nomeadamente da diocese de Braga, a paróquia surge com a designação “Paróquia de São Miguel de Gonça” e não somente “Paróquia de Gonça”.